PONTOS FÍSICOS PERDEM FORÇA COM BANCOS E TRANSAÇÕES PELA WEB SOBEM; MEDIDA PODE PREJUDICAR PARTE DOS CLIENTES
Segundo a Febraban, quase 8 em cada 10 transações bancárias realizadas no país são feitas de forma virtual como o mobile banking e internet banking (77%) (Redação o Dia) - foto divulgação -
quarta-feira novembro 1, 2023
Acordar cedo para tentar encontrar o banco vazio é algo que fez parte da rotina de diversas pessoas no Brasil nas últimas décadas. No entanto, desde 2017, os bancos têm optado cada vez mais em mirar os investimentos nos servidores de internet do que na manutenção dos ponto físicos. Se por um lado a tecnologia ajuda em operações simples, como transferências e solicitações de crédito, na outra ponta estão a necessidade de parte dos clientes, principalmente os idosos, por algo que não dependa da web.
Morador da Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, o médico Márcio Glejzer, de 65 anos, conta ao DIA que não é fã das novas tecnologias. Adepto de outros tempos em que “celular era apenas para falar” e sem conseguir se ajustar à nova era dos aplicativos, Márcio ainda prefere resolver as coisas na agência, como “nos velhos tempos”, e teme que a onda de desativações de unidades afete sua rotina.
“Meu banco é o Itaú e simplesmente desativaram a minha antiga agência, na Rua Uruguai, sem aviso prévio. Só fui saber da situação quando cheguei no lugar e vi um aviso na porta. Agora preciso andar duas quadras a mais e não sou nenhum garoto”, desabafa.
Segundo dados do Banco Central, o número de agências vem decaindo desde aquele ano, quando existiam 21.408 sucursais ativas, até passar a 17.216 pontos em 2022, o menor número desde 2009. De acordo com o último levantamento, feito em setembro deste ano, há atualmente cerca de 17.573 unidades ativas em todo o Brasil.
“Os bancos estão adequando suas estruturas à nova realidade do mercado, em que a utilização dos canais digitais de atendimento vem ganhando espaço em detrimentos dos canais físicos e presenciais, refletindo, em especial, o novo perfil do consumidor, que busca, e encontra, conveniência, comodidade, segurança e rapidez nos meios eletrônicos dos bancos”, afirma a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em nota enviada à reportagem.
Para justificar a mudança de direção, a entidade aponta que quase 8 em cada 10 transações bancárias realizadas no país são feitas em canais digitais, como o mobile banking e internet banking (77%). Somente o celular é responsável por 66% de todas as operações feitas no Brasil.
“No total, os brasileiros fizeram, no ano passado, 163,3 bilhões de transações nos vários canais de atendimento disponibilizados pelos bancos, representando um significativo aumento de 30% ante 2021. Esta taxa de crescimento é a maior já registrada na história das transações, sendo influenciada principalmente pelo desempenho do mobile banking, que teve alta de 54% no número de operações realizadas pelos clientes, totalizando 107,1 bilhões”, completa a instituição financeira.
Função do ponto físico
Outro ponto usado a favor dos canais digitais é a maior conveniência aos clientes. De acordo com a Febraban é possível fazer pagamentos de contas, transferências, DOCs e TEDs, contratações de crédito, investimentos e aplicações, consultas de saldos e extratos, contratar seguros e planos de Previdência, renegociar dívidas, entre outras operações sem sair de casa.
Em contrapartida, a presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários, Neiva Ribeiro, explica que cada banco atua de forma diferente, conforme estratégias do negócio, mas é possível mencionar operações que mostram a importância da agência física para a população.
“Financiamentos, empréstimos, aplicações e investimentos como funções mais complexas, onde o atendimento presencial é mais esclarecedor. Nas renegociações de dívidas, o atendimento presencial também segue sendo bastante procurado. O programa Desenrola, promovido pelo governo federal, é prova disso. Muitas agências bancárias passaram a operar em horário estendido”, pontua a gestora.
Ela ainda frisa que a nova tendência é algo mais voltada para a redução de custos, e aumento dos lucros, e ignora a existência de uma função social do ponto físico, principalmente para os idosos e mais pobres.
“É preciso destacar que parte da população idosa e em muitas periferias do Brasil têm dificuldades em acesso. A exclusão digital é uma realidade para uma grande parcela da população, principalmente para os mais pobres. As pesquisas apontam que a população quer ser atendida por pessoas e não só por máquinas, principalmente em se tratando das finanças pessoais”, explica Neiva.
Fechamento de agências
Segundo o último levantamento feito pelo Banco Central, em setembro, só no Rio de Janeiro estão localizados 1.487 pontos físicos, a grande maioria localizada na capital (844), sendo o quarto estado brasileiro com maior cobertura de agências físicas no Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo (5.197), Minas Gerais (1.650) e Rio Grande do Sul (1.503). Dos 92 municípios do Rio, apenas Laje do Muriaé não conta com ponto físico.
Contudo foram fechadas cerca de 1.007 unidades físicas no estado carioca somente em 2022. No primeiro trimestre deste ano, 256 unidades foram encerradas, de acordo com levantamento do Banco Central.
Esse cenário de abandono pode ser visto de perto pelos cariocas ao visitarem as antigas agências do Bradesco, localizadas especificamente, nas ruas Conde de Bonfim (esquina com Rua General Roca, na Tijuca) e Mariz e Barros (esquina com Rua Professor Gabizo, no Maracanã), e Itaú na esquina da Rua Uruguai com Rua Conde de Bonfim, na Tijuca (lado direito, onde funcionava um Itaú).
Mas a situação não é somente preocupante para quem deseja usar a agência como cliente, mas também para aqueles que trabalham no setor. Usando o Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) como base, Neiva Ribeiro explica que a área bancária também prossegue em um movimento contínuo de fechamento de vagas.
“Há onze meses consecutivos os bancos eliminam postos de trabalho, com 5.982 vagas fechadas entre outubro/2022 até agosto/2023. Sendo que o setor é um dos mais lucrativos do país e tem lucro crescente a cada ano. O lucro dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander), que detém 73,2% do total de ativos do sistema bancário nacional, em 2022, somaram juntos R$ 106,7 bilhões, com alta média de 2,5% em doze meses”, afirma a gestora.
Em 19 de outubro, o Sindicato de Bancários do Rio de Janeiro promoveu o retardo de uma hora na abertura da agência 0212, localizada no Mercado das Flores, no Centro. A unidade do Bradesco está marcada para encerrar as atividades em de 17 de novembro. Em postagem nas redes sociais, o grupo afirmou que o protesto visava discutir a reestruturação tecnológica promovida pelo banco.
“Nesse ano, só na cidade do Rio de Janeiro, o Bradesco já demitiu cerca de 230 funcionários. Depois de ter recuado nessa reestruturação, o banco voltou a fechar agências e a demitir. E tem feito isso sem nenhum diálogo com o Sindicato, demonstrando total desrespeito com a categoria”, relatou Leuver Ludolff, diretor do Bancários Rio e funcionário do Bradesco.
Para Geraldo Ferraz, também diretor do sindicato e empregado do Bradesco, o avanço da tecnologia é inevitável, mas deveria estar a serviço da qualidade nas condições de trabalho e de vida da população.
“O que nós vemos é que os bancos usam as novas tecnologias apenas para aumentar seus lucros e não pensam um instante no trabalhador e nos clientes. Essa reestruturação está colocando muitos bancários na rua. Daqui a pouco não haverá mais agência física. E como é que ficam os clientes que têm dificuldades de lidar com o mundo digital? O Bradesco não está cumprindo a sua função social prevista em lei”, criticou.
Neiva lembra ainda que as novas ocupações, especialmente, associadas à Tecnologia da Informação, são representadas pela Convenção Coletiva dos Bancários com todos os direitos conquistados pela categoria como PLR, vale-refeição, vale-alimentação e definição de jornada de trabalho, entre outros.
Em nota enviada à reportagem, o Bradesco afirma que tem modificado o modelo de atendimento e transformando parte de suas agências em unidades de negócios. O processo vem sendo adotado há algum tempo, visto que atualmente 98% do total de operações feitas pelos clientes do banco acontecem por meio dos canais digitais.
“Dentro desse processo, algumas agências passam por uma adequação do seu tamanho físico e outras por uma unificação com unidades próximas. Os clientes continuam tendo disponíveis os mesmos serviços. Clientes contam também com as unidades do Bradesco Expresso, uma rede de correspondentes bancários que já soma mais de 40 mil pontos e que funciona em horário ampliado ao das agências”.
Procurado, o Itáu enviou uma nota e respondeu que diante do aumento da procura por atendimento nos canais digitais, como internet, celular e agências digitais, o banco avalia constantemente a adequação de sua rede de agências às novas necessidades dos clientes.
“O atendimento presencial continua sendo peça importante no processo de transformação pelo qual o banco passa e ocorre cada vez mais integrado ao digital – para que o cliente tenha um atendimento de qualidade por meio de qualquer um deles e defina, com base em suas próprias demandas, quando deve acionar um ou outro. Nesse contexto, o banco migrou o atendimento da agência 8741/3031 (Rua Conde de Bonfim, 719), para a agência 0281 – que fica localizada no número 423 da mesma rua. Os clientes são avisados com antecedência sobre a mudança de atendimento presencial, de toda forma, o banco se desculpa pelo transtorno causado ao cliente citado”, esclare.
Já a Febraban declarou que o nível de emprego tem se mantido estável com as instituições financeiras contratando um grande volume de profissionais, “principalmente em áreas como TI e segurança contra fraudes digitais, por exemplo”.
*Matéria do estagiário Rodrigo Burdman, sob supervisão de Thiago Antunes (Fonte: O Dia)