JULGAMENTO DA REVISÃO DO FGTS SERÁ RETOMADO PELO STF EM 18 DE OUTUBRO

Ação em discussão no Supremo deve definir se a correção do Fundo de Garantia é constitucional (Por Cristiane Gercina)


quarta-feira outubro 4, 2023

O julgamento da revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) deverá ser retomado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 18 de outubro. A data foi marcada pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, nesta terça-feira (3).

Os ministros devem decidir se a correção do Fundo de Garantia, hoje em 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), é constitucional ou não. A TR rende próxima de zero.

O pedido feito na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 é para que a TR seja declarada inconstitucional e substituída por um índice de inflação, que pode ser o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial).

O caso chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar perdas consideráveis ao trabalhador. Na época, o levantamento mostrou que a correção dos valores trouxe prejuízo de 88,3% ao dinheiro depositado no FGTS de 1999 até 2013.

O julgamento do tema começou em abril deste ano, mas foi interrompido após pedido de vista do ministro Kássio Nunes Marques, que solicitou mais tempo para analisar o caso. Nunes Marques devolveu a ação no dia 31 de agosto.

A ação tem dois votos a favor da mudança na correção do fundo. No entanto, a proposta de alteração feita por Barroso, que é relator do caso, é para que o dinheiro dos trabalhadores no fundo tenha ao menos a remuneração da poupança.

Barroso limitou, entretanto, os efeitos da decisão. Para ele, a nova forma de atualização do fundo não deve ser retroativa e passaria a ser válida apenas a partir da publicação da ata de julgamento.

O voto foi seguido por André Mendonça, que acrescentou entendimento de que a correção pela TR é inconstitucional.

Ainda faltam os votos de Nunes Marques, que deverá ser conhecido na retomada do julgamento, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin.

Para Barroso, não há direito constitucional à correção monetária para repor a inflação, mas o modelo atual de remuneração do FGTS “não é razoável”. “A remuneração do FGTS não pode ser inferior à caderneta”, disse.

TEMA DIVIDE ESPECIALISTAS
A revisão do FGTS divide especialistas. Para alguns, é correto definir mudanças daqui para frente, conforme propôs Barroso, pois a dívida a ser paga —estimada em R$ 661 bilhões— afetaria toda a sociedade.

Outros apontam que o uso da correção da poupança no FGTS mostraria uma vitória, porque traria ganhos melhores do que os atuais para os trabalhadores. Há ainda quem defenda a inconstitucionalidade da TR, a aplicação de um índice de inflação e o pagamento dos atrasados desde a data inicial da ação, para quem já havia ingressado na Justiça.

A AGU (Advocacia-Geral da União) chegou a pedir a extinção da ação, alegando que as leis 13.446/2017 e 13.932/2019 já alteraram a remuneração das contas, pois o FGTS começou a distribuir uma parcela de seus lucros aos cotistas.

“Com isso, a remuneração das contas passou a ser influenciada, não apenas pela correção monetária (com base na TR), mas também pela capitalização de juros de 3% ao ano e pela distribuição dos resultados positivos auferidos”, diz o órgão.

Outro temor está no setor imobiliária. Como o dinheiro do FGTS compõe um fundo utilizado pelo governo nos financiamento de casa própria e no saneamento básico, a remuneração maior seria benéfica ao trabalhador ao mesmo tempo que traria juros maiores e mais dificuldades para financiar um imóvel.

O QUE PODE ACONTECER
O julgamento ser marcado não significa término do debate. Qualquer outro ministro pode pedir vista, inclusive Cristiano Zanin, que assumiu vaga no Supremo no início de agosto e pode querer analisar melhor o caso por conta do alegado impacto nas contas públicas.

Se houver pedido de vista, o julgamento é interrompido novamente e só pode ser retomado após devolução do processo.

Outro ponto é o STF entender que a TR é constitucional e não indicar nenhuma mudança, o que é critido por defensores dos trabalhadores.

Há, por fim, a possibilidade de aprovação da nova fórmula de correção, conforme propôs Barroso. Se esse for o caso, há ainda o direito a embargos de declaração —pedido para esclarecer algum ponto do julgamento—, o que pode levar a uma nova análise pela corte.

Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, vê de outra forma. Para ele, declarar a inconstitucionalidade da TR melhora o bolo do FGTS como um todo, beneficiando não só os trabalhadores, mas os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação e as prefeituras que têm o Fundo de Garantia como uma fonte mais barata para obras de saneamento básico e infraestrutura urbana.

“Trabalhamos para que a decisão do STF seja a mais justa e se conclua o mais rápido possível, para que os trabalhadores que entraram com uma ação na justiça recuperem as perdas do confisco da TR e ao mesmo tempo acabar com o confisco da TR que continua”, diz.

ENTENDA O CASO
A revisão do FGTS chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar perdas consideráveis ao trabalhador. Na época, o levantamento mostrou que a correção dos valores trouxe prejuízo de 88,3% ao dinheiro depositado no FGTS de 1999 até 2013.

O pedido é para substituir a taxa por um índice de inflação, que pode ser o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que corrige salários e aposentadorias do INSS, ou IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial), índice usado até dezembro de 2021 parar corrigir precatórios do governo federal na Justiça.

Caso seja aprovada no Supremo, a revisão pode afetar 117 milhões de contas ativas e com saldo no FGTS, conforme dados da Caixa Econômica Federal. O número de trabalhadores, no entanto, é menor, pois um único profissional pode ter mais do que uma conta, aberta a cada novo registro na carteira de trabalho.

O QUE É A REVISÃO DO FGTS?
É uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. Hoje, o retorno do FGTS é de 3% ao ano mais a TR, que rende próxima de zero. Com isso, a atualização do dinheiro fica abaixo da inflação, deixando de repor as perdas do trabalhador.

Desde 1999, quando houve modificação no cálculo da TR, os trabalhadores acumulam perdas.

POR QUE SE QUESTIONA A CORREÇÃO DO DINHEIRO?
A TR, usada para corrigir o dinheiro do fundo, tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS. Diversos cálculos apontam perdas que vão de 24% nos últimos dez anos a até 194% para quem tem valores no fundo desde 1999.

Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.

Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.

QUEM TEM DIREITO À REVISÃO DO FGTS?
Se o voto do ministro Barroso for aprovado, todas as contas vinculadas ao FGTS passariam a ter nova correção após a publicação da ata do julgamento. Para especialistas, no entanto, todos os trabalhadores com dinheiro no fundo a partir de 1999 podem ter direito à correção, beneficiando 70 milhões.

Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.

Na modulação, pode-se decidir que a Caixa Econômica Federal, administradora do fundo, deve pagar apenas a quem entrou com ação até 2014 ou até a data em que o julgamento começou ou ainda apenas para os que fazem parte de ações coletivas. É preciso, no entanto, esperar o que Supremo irá decidir.

O QUE É E COMO FUNCIONA O FGTS?
O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.

Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.

O fundo, no entanto, é utilizado em políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana, conforme prevê a legislação.

O saque do FGTS é autorizado apenas em 16 situações previstas em lei. Fora isso, o trabalhador não tem acesso ao dinheiro. (Fonte: Folha de SP)