STJ acolhe parecer do MPF e condena empresários que submeteram trabalhadores à condição análoga à de escravo em Pernambuco


quarta-feira março 23, 2022

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em sessão de julgamento realizada nesta terça-feira (22), que deve ser mantida sentença de primeiro grau que condenou dois empresários por terem submetido 241 trabalhadores à condição análoga à de escravo. São proprietários do grupo econômico formado pelas usinas Vitória e Vitória Agro Comercial, situadas no município de Palmares (PE). A decisão do STJ foi favorável ao Recurso Especial apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF5) que absolveu os réus. A ação penal que denunciou os empresários foi iniciada pelo MPF em 2013.

De acordo com a ministra relatora do caso, Laurita Vaz, “restou incontroverso na sentença de primeira instância a submissão das vítimas à condição degradante de trabalho, configurando o delito previsto no artigo 149 do Código Penal”. A ministra afastou o argumento apresentado pelo Tribunal regional, de que o descumprimento de normas laborais não é suficiente para configurar o crime. Ela também foi contra o posicionamento do TRF5, de que o crime não estaria caracterizado porque os empregadores já haviam sido autuados administrativamente e firmaram Termo de Ajustamento de Conduta. A ministra ainda chamou atenção para o fato de que o próprio TRF5 reconheceu os fatos descritos na denúncia.

Segundo consta da ação penal, fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em novembro de 2008, confirmou que os proprietários do grupo econômico sujeitavam os trabalhadores rurais a condições desumanas. Entre as irregularidades, foi verificado que os empregados não tinham acesso à água potável, sendo incumbidos de trazer água de suas casas ou comprar garrafas comercializadas pelas usinas, no valor de R$ 20 a unidade.

As apurações revelaram, ainda, o não fornecimento de alimentação adequada e a ausência de local para acondicionamento dos alimentos, situação que ocasionava, muitas vezes, o apodrecimento da comida, levando os trabalhadores a passar fome ou a consumir o alimento estragado. Além disso, os empregados tinham de realizar as necessidades fisiológicas em local sem higiene, segurança e privacidade, o que possibilitava a disseminação de doenças infectocontagiosas, além de expor os trabalhadores a animais peçonhentos.

Também não havia, no engenho, equipamentos mínimos de proteção, como chapéu e roupas adequadas, sendo fornecida ao empregado apenas uma luva. Os trabalhadores eram obrigados, ainda, a comprar o facão que usavam na lavoura, por R$ 15. Outro problema verificado foi o transporte irregular dos empregados, que era feito por meio de tratores e carregadeiras, o que acabava expondo os trabalhadores ao risco de queda, choques mecânicos e esmagamentos.

Os empregados eram submetidos a condições de trabalho fatigantes e a jornadas exaustivas, que eram iniciadas às 4h e terminavam às 16h30, com dois intervalos para refeições, de apenas 30 minutos, cada. Muitos não recebiam sequer um salário mínimo por mês. Além disso, não havia, nas usinas, serviço médico e comunicação via rádio para casos de emergência. Também não era feito treinamento ou oferecida proteção especial aos empregados que lidavam com agrotóxicos. Diante das irregularidades, todos os empregados das usinas foram resgatados pela equipe de auditores do trabalho.

“Tais circunstâncias não se limitam e nem se confundem com violação ‘às normas administrativas e/ou trabalhistas, como entendeu o Tribunal regional, mas sim flagrante violação aos direitos básicos de qualquer ser humano, já que os trabalhadores receberam tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua dignidade”, defendeu o MPF em manifestação enviada ao STJ.

 

Fonte: Ministério Público Federal