Especialistas pedem mobilização contra reforma na lei de planos de saúde

Médicos Mário Scheffer e Ligia Bahia pedem que comissão especial suspenda a tramitação da matéria na Câmara e que a sociedade impeça retrocessos que põem em risco o sistema de saúde e até a vida da população. Empresas de planos de saúde são as que mais lucraram durante a pandemia


quinta-feira dezembro 9, 2021

As propostas de reforma da atual Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98), em tramitação em uma comissão especial da Câmara, estão trazendo grande preocupação a especialistas, que pedem mobilização de toda a sociedade e acompanhamento pelo Ministério Público. Em nota técnica preliminar publicada na segunda-feira (6), os professores de Medicina Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, e Lígia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ambos especialistas no tema, comentam os pontos da proposta. De tão favoráveis aos empresários do setor e lesivas aos usuários, eles advertem para retrocessos que põem em risco o sistema de saúde, a própria saúde e a vida dos brasileiros.

Instalada em 6 de julho, a comissão da Câmara realizou seis audiências públicas e outras sete sessões deliberativas até o dia 17 de novembro. No último dia 3, foi divulgada a primeira versão do parecer da relatoria, que contempla interesses dos empresários e deverá ser discutida antes da votação.

Aos pacientes, quase nada
A nota técnica aborda, entre as mudanças, redução de coberturas, extinção do plano referência e liberação do plano ambulatorial simples. A nova proposta prevê a liberação da venda de planos de menor cobertura, que só dão direito a consultas e exames simples. E que excluem desde o atendimento de urgências até o tratamento ambulatorial de câncer. Ou seja, quem pagar por um plano assim acabará sendo atendido pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.

É intenção também autorizar a comercialização de planos sem cobertura para problemas de saúde frequentes, como doenças respiratórias graves, distúrbios renais, neoplasias, acidentes, entre outros agravos.
 
Com a reforma da Lei dos Planos de Saúde, fica extinto o “plano referência” (Lei 9.656/98, Art. 10), que obriga a cobertura de todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde.

Excludentes
Os planos com coberturas reduzidas, chamados “ambulatorial simples”, garantem apenas consultas, exames e procedimentos de caráter preventivo. Proibido por lei, esse plano “acessível” ou “popular”, não dará cobertura a urgências e emergências, tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, quimioterapia oncológica e radioterapia ambulatorial, hemodiálise e diálise peritoneal, e demais tratamentos ambulatoriais considerados de maior complexidade.

O parecer chega a propor mudança no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, para permitir reajustes de mensalidades após 60 anos de idade. O estatuto hoje proíbe aumento dos planos para a faixa etária a partir dos 60 anos. Para os autores da nota técnica, os idosos serão “expulsos” dos planos de saúde, por impossibilidade de pagamento, como ocorria antes do Estatuto do Idoso. A proposta fala em “parcelamento” do pagamento do reajuste, por meio do IPCA, cumulativo.

Às empresas, quase tudo
Por outro lado, o pacote de bondades para as empresas do setor inclui o alívio de multas, perdão para coberturas negadas e redução de penalidades contra os planos. As multas por negativa de coberturas passariam a ser graduadas conforme a “complexidade” do procedimento ou atendimento negado pela operadora.

Além disso, haveria a criação de um teto do valor das multas
no caso de reincidência, sempre que o plano de saúde cometer nova infração do mesmo tipo anteriormente praticada.

“O teto de multa para reincidência da infração (até no máximo três vezes o valor) é um convite para descumprimento sistemático das obrigações assistenciais. Cria-se, assim, um paradoxo legislativo, pois multas visam coibir o abuso e prevenir o desrespeito às regras. No caso de multas por atendimentos negados, a função é também pedagógica, para que outros pacientes não venham a ser prejudicados. As mudanças sugeridas são um presente para planos de saúde que têm práticas abusivas. A mensagem transmitida é que o crime compensa.”

Sem anestesia
Os autores destacam ainda que o texto substitutivo da Lei dos Planos de Saúde propõe inclusive alterações em aspectos econômico-financeiros, critérios de reajustes de remuneração de médicos e prestadores, alienação ou leilão das carteiras de segurados, uso e aplicação de fundos e recursos das operadoras, entre outros temas de grande repercussão nas garantias aos usuários e prestadores. “Não podem, portanto, serem aprovadas a toque de caixa.”

Além disso, a proposta de novo marco legal, ao apensar 247 projetos de lei em tramitação, elimina proposituras que visavam modificar de forma adequada regras aplicadas aos planos de saúde. Muitos desses projetos de lei, que seriam anulados pelo parecer do relator, estão voltados à ampliação das garantias de coberturas assistenciais e ao fim de abusos nos preços e nos reajustes de mensalidades dos planos de saúde. (Fonte: RBA)