Funcionário pode “demitir” patrão: entenda como funciona a rescisão indireta
Quando essa rescisão é reconhecida pela Justiça, o contratante tem de pagar todas as verbas rescisórias ao funcionário (Por Magaléa Mazziotti)
sexta-feira outubro 8, 2021
Nem a pandemia, nem o desemprego em dois dígitos diminuem as responsabilidades de cada lado, empregador e empregado, em uma relação de trabalho. Se o funcionário comete uma falta grave, a empresa pode demiti-lo. E apesar de soar incomum, o contrário também pode acontecer. Quando o patrão deixa de cumprir com seus deveres, o funcionário pode demitir a empresa. É a chamada “rescisão indireta”.
Por meio dela, o funcionário decide encerrar o contrato de trabalho por conta de uma falta grave cometida pela empresa como:
– Atrasos de salários
– Não recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)
– Desvio de função
– Atividade que coloque em risco a vida da pessoa
Como funciona a rescisão indireta?
Esse tipo de “demissão” costuma parar na Justiça do Trabalho. Pelo acompanhamento da Coordenadoria de Estatística do TST (Tribunal Superior do Trabalho) de novos processos envolvendo rescisão indireta, 2020 totalizou 118.730 ações. Em 2019 foram 152.535 e, em 2018, 137.262 processos. Segundo especialistas em Direito do Trabalho, a falta de recolhimento do FGTS é responsável por mais de 80% das ações.
“Tanto a falta de depósito do Fundo de Garantia como o atraso dos salários são mais fáceis de comprovar, pois basta o trabalhador alegar o calote em juízo. Quem deve provar que pagou é sempre o patrão, que precisa apresentar os holerites, extratos e comprovantes bancários”, explica a advogada Elaine Cristina Beltran de Camargo, especialista e mestre em Direito do Trabalho e conselheira da AASP.
Trabalhador tem direito às verbas trabalhistas
Quando essa rescisão é reconhecida pela Justiça, o contratante tem de pagar todas as verbas rescisórias, como se o empregado tivesse sido demitido sem justa causa.
Ou seja, o trabalhador precisa receber férias e 13º salário proporcionais ao tempo de serviço, FGTS, mais com a multa de 40% do fundo, além do aviso-prévio, por exemplo.
Covid-19 também pode ser motivo de rescisão indireta
Com a pandemia, empresas que não cumpriram com as normas sanitárias exigidas pelos órgãos de saúde, expondo os trabalhadores ao risco de contágio da Covid-19 também podem ser enquadradas na justa causa solicitada pelo trabalhador.
“A pandemia importou em novas causas de justificar o pedido de rescisão indireta, a exemplo dos empregadores que não cumpriram com as normas sanitárias mínimas exigidas pelos órgãos de saúde, expondo seus trabalhadores ao risco efetivo de contágio”, diz Rafael Fazzi, advogado especialista em Direito do Trabalho do escritório Andersen Ballão Advocacia.
Para o professor e doutor em direito, Marcelo Válio, houve aumento de ações pelo não cumprimento de obrigações contratuais, como pagamento de salários e recolhimento de FGTS e INSS, além da suspensão do contrato do trabalho sem amparo legal e aumento de volume de trabalho com jornadas exaustivas, que podem trazer danos à saúde mental do trabalhador.
Processos levam de 1 a 3 anos, em média
Segundo os advogados, as ações judiciais ganharam agilidade por conta dos processos eletrônicos e, no caso da rescisão indireta, a conclusão costuma levar de um a três anos, em média.
Ainda que haja a possibilidade de permanecer no trabalho enquanto a ação não é julgada, a maioria dos trabalhadores que pedem a rescisão indireta se afasta do serviço.
Nesse momento, orientam os especialistas, é importante fazer o ajuizamento da ação visando o reconhecimento e decretação da rescisão indireta o mais rápido possível para que isso não se configure como abandono de emprego.
“A rescisão indireta depende da ocorrência de fato grave o bastante a ponto de impossibilitar ao empregado a continuação da prestação de seus serviços, devendo haver certa imediatidade entre tal fato pelo empregado e a rescisão contratual. As irregularidades não devem ser toleradas por longo tempo”, reforça Elaine.
A rescisão indireta, assim como outros temas, não é uníssona no judiciário. A recomendação é que o trabalhador, caso queira “demitir o patrão”, consulte um profissional especializado que poderá, na análise do caso concreto, verificar a viabilidade ou não desta discussão, bem como apresentar os riscos envolvidos ao trabalhador. (Fonte: CNN Brasil)