Com fortunas em paraísos fiscais, ‘plutocratas’ comandam política econômica no Brasil
Mais do que os conflitos de interesse de Paulo Guedes e Campos Neto, Pandora Papers revelam que a elite financeira é quem define as regras do jogo em seu próprio benefício, aponta o economista Pedro Rossi (Unicamp)
quarta-feira outubro 6, 2021
De acordo com o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), são óbvios os conflitos de interesse envolvendo a atuação do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Ambos foram flagrados nos Panamá Papers como detentores de empresas offshore em paraísos fiscais, com milhões de dólares investidos. Trata-se dos principais responsáveis pela definição das políticas fiscal e monetária do país, podendo auferir lucros com suas próprias decisões. Mas muito mais do que os benefícios pessoais, o economista chama a atenção para um problema de ordem sistêmica.
Segundo Rossi, o governo Bolsonaro, com Guedes e Campos Neto à frente, vem conduzindo o maior processo de liberalização financeira da história recente no Brasil. E ele destaca que esta “agenda silenciosa”, que vai na contramão dos interesses nacionais, é levada adiante pelos mesmos agentes que fazer parte dessa elite.
“Quem está conduzindo esse processo são justamente os interessados, aqueles que fazem parte de uma plutocracia financeira que tem milhões em offshores”, disse Rossi, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (5).
“O principal significado econômico do Pandora Papers é revelar que a elite financeira – a ‘plutocracia’ financeira – está gerindo a nossa política econômica, empreendendo uma agenda de liberalização financeira em benefício próprio. Muito mais do que um problema individual de Guedes ou Roberto Campos, este é um problema sistêmico”, afirmou o economista.
Agenda silenciosa
Como exemplo dessas mudanças que atendem aos interesses da elite financeira, Rossi cita decisão recente do Conselho Monetário Nacional (CNM). Na semana passada, o CMN autorizou medida que facilita operações de derivativos com empresas offshore. “Ou seja, podem fazer qualquer operação meramente especulativa a descoberto, sem ativos subjacentes”, destaca o economista. Mecanismos de desregulamentação como este estão nas origens da crise financeira mundial de 2008.
Anteriormente, o CMN também havia abolido a necessidade de serem comunicadas ao Banco Central operações de remessa ao exterior envolvendo valores inferiores a US$ 1 milhão. Outro exemplo de medida que beneficia os especuladores que mantêm recursos em paraísos fiscais.
Nesse sentido, Rossi cita inclusive a própria autonomia do BC, aprovada pelo Congresso Nacional no início do ano. Ele destaca que a pressão foi tamanha que essa pauta acabou “furando a fila” de outras medidas mais importantes. A aprovação ocorreu ainda antes da extensão do auxílio emergencial e, até mesmo, da aprovação do orçamento de 2021.
No caso das normas infralegais decididas pelo CMN, a situação é ainda mais grave, segundo o economista, pois faltam participação democrática e transparência nessas decisões. Apenas três indivíduos – Guedes, Campos Neto e por Bruno Funchal, que é secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia – deliberam a portas fechadas.
Contra o interesse nacional
Legislando em benefício próprio, estes agentes atentam contra os interesses nacionais. Ao liberalizarem os fluxos de capitais, aumentam a vulnerabilidade do país diante de choques externos. Rossi afirma que, na época da crise de 2008, o sistema financeiro brasileiro estava mais protegido do que agora.
“O avanço desta agenda faz com que fiquemos mais vulneráveis a crises financeiras lá fora. E mais vulneráveis do ponto de vista macroeconômico, com volatividade cambial, fuga de capitais etc. Ou seja, essa elite financeira desestabiliza o país simplesmente colocando seus recursos lá fora, gerando crises cambiais”. Em situações como esta, o real se desvaloriza frente ao dólar. Uma das implicações diretas é o aumento da inflação, que impacta negativamente o conjunto da população brasileira, em especial os mais pobres.
“O que a democracia, a população e o Estado podem fazer em relação a isso? Regular”, sugere o economista. “É isso que deve ser feito. E o que está sendo feito por Guedes e Campos Neto, que são representantes dessa plutocracia, é desregulamentar ainda mais. Tirando as amarras e dando ainda mais poder, liberdade e rentabilidade a esses agentes”.
Silêncio da mídia
É o poder dessa elite plutocrata que comanda esse processo de liberalização que a imprensa tradicional tenta disfarçar. Por isso, segundo Rossi, é que a participação de Guedes e Campos Neto nos Pandora Papers foi praticamente escondida dos principais jornais. Ou, quando noticiaram, fizeram questão de apontar que não existe nenhuma ilegalidade nesse tipo de instrumento, que é utilizado principalmente para fugir da cobrança de impostos.
“É isso que a imprensa está ocultando. Porque é essa mesma elite que dá as cartas na própria imprensa. É evidente que não está correto. A gente tem um ministro da Economia que coloca dinheiro em paraíso fiscal. E provavelmente movimentou esse dinheiro”, disse ele.
“É evidente que há conflito de interesse. Isso nem deveria ser alvo de discussão. Mas o problema é muito mais profundo, é uma agenda econômica em benefício deles mesmos que está sendo conduzida, em benefício dessa elite plutocrática que movimenta seus recursos pelo mundo, em paraísos fiscais e offshore. E esses dois personagens estão conduzindo essa política”, acrescentou.
Na contramão do mundo
Organizador do livro Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil (Ed. Autonomia Literária), Rossi afirma que essa agenda de liberalização econômica levada a cabo no Brasil está em descompasso com as ideias discutidas, e também postas em prática, ao redor do mundo. Desde a crise de 2008, e principalmente em função da pandemia, a regulamentação financeira e a participação do Estado como indutor do desenvolvimento econômico ganharam novo fôlego. Segundo ele, “a austeridade fiscal foi enterrada no debate internacional”.
Ele citou os três pacotes de estímulo anunciados pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que, juntos, somam US$ 6 trilhões em investimentos. Na mesma linha, a União Europeia também vem implementando um plano de recuperação econômica de € 750 bilhões. Essas ações buscam estimular a criação de empregos no pós-pandemia, além de estimular a transição para fontes de energias renováveis, como forma de conter as mudanças climáticas.
Tanto os Estados Unidos como os países europeus propõem elevar impostos sobre os mais ricos, como forma de financiar os investimentos públicos. Por aqui, a plutocracia se previne de eventuais efeitos como este, enviando seus dólares para paraísos fiscais.
“E o que estamos discutindo no Brasil? Nada em relação a emprego ou plano de recuperação. Na cabeça dos nossos líderes da política econômica, é o mercado que vai conduzir o processo. Não há nada na direção de um plano de recuperação. Pelo contrário. O que há é uma política econômica que vira as costas para o desemprego e para a recuperação econômica”, ressaltou. Rossi vaticina, no entanto, que essas políticas não se sustentam no longo prazo. “Vamos ter que discutir uma transformação profunda na economia brasileira”, conclui. (Fonte: RBA)