Plataforma registra aumento de ansiedade e depressão entre profissionais

Entre atendimentos por telemedicina na Docway, diagnósticos de transtornos mentais crescem mais de 200 vezes na pandemia; outra plataforma aponta alta de 23% na compra de antidepressivos (Por Ludimila Honorato)


terça-feira setembro 21, 2021

Os impactos da pandemia na saúde mental dos brasileiros vêm sendo estudados desde que a crise chegou ao País. Para os especialistas da área, era certo que sofreríamos alterações emocionais, psíquicas, de comportamento e humor, só restaria saber a grandeza disso. No ambiente profissional, algumas plataformas que prestam serviço a empresas constataram, por exemplo, aumento no número de diagnósticos de ansiedade e depressão, além da alta de compras de medicamentos que tratam essas condições.

Na Docway, empresa que oferece soluções de telemedicina, cresceu mais de 200 vezes o número de diagnósticos relacionados a transtornos mentais e emocionais. Passou de 58 casos registrados entre março e agosto de 2020 para 11.779 no mesmo período deste ano.

Os dados consideram os atendimentos feitos no Pronto Atendimento Digital da plataforma, que se destina a operadoras de saúde (que atendem organizações também) e empresas em geral. A coleta de dados focou em laudos médicos com definição do caso de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), em que cada enfermidade tem um código que a identifica.

Os transtornos mentais avaliados foram ansiedade generalizada, transtorno depressivo recorrente, transtorno misto ansioso e depressivo e outros transtornos ansiosos. Já as condições de saúde emocional incluíram distúrbios da atividade e da atenção, transtorno de ansiedade orgânica, transtorno ansioso não especificado e transtornos de humor.

Esse aumento em grande escala pode sugerir que, por mais que os efeitos da crise e do isolamento social tenham sido sentidos ainda no ano passado, a constatação mediante atendimento médico veio com o tempo e o provável agravamento do quadro. Na prática clínica, psicólogos e psiquiatras têm relatado maior demanda, mas alertam que os transtornos têm causas multifatoriais e podem ser advindos de outras questões que não somente a pandemia.

Fatores ambientais, sociais, familiares, genéticos e hereditários, por exemplo, influenciam numa maior ou menor predisposição a doenças mentais. O cenário do último um ano e meio pode ter servido de gatilho para desencadear ou agravar um quadro pré-existente, destaca Marcelo de Almeida, psiquiatra parceiro da Docway.

“Condições psicossociais influenciam nos transtornos mentais e realmente é um problema hoje a forma como se diagnostica, porque é uma forma baseada em certos critérios em que as possíveis causas, os determinantes sociais não são valorizados na CID”, ele diz. “A pandemia é uma situação completamente fora do esperado e o fator social está pesando muito. Então, pode haver pessoas que já tinham transtorno mental e recrudesceram sintomas agora”, completa.

Segundo ele, um quadro de ansiedade generalizada, por exemplo, pode ser identificado já no primeiro atendimento psiquiátrico, mas é necessário ir mais fundo na história da pessoa para saber se o problema advém ou pode resultar em algo mais grave. “Depende da forma como consegue colher a história e se trata-se de um quadro mais típico ou atípico. Tem quadro típico que não deixa dúvida, mas todo diagnóstico é feito de forma horizontal: na psiquiatria não consegue fechar na primeira consulta, pois podem surgir outras questões”, afirma o médico.

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De qualquer forma, ele ressalta que, quando alguém aparece com sintomas, é importante tratar e, se preciso for, prescrever medicação. “Se o paciente preenche critérios de sintomas por tantas semanas, critério da CID, se o caso está atrapalhando a vida de algum maneira, é importante tratar.”

Compra de remédios também aumenta
Outra plataforma que traz análises pertinentes é a Medipreço, startup que disponibiliza uma farmácia digital exclusiva aos colaboradores das empresas. O serviço permite também que, com base nas tendências de compra dos empregados, as empresas possam desenvolver estratégias de cuidado e prevenção.

Um levantamento que considerou a base de dados da companhia e o sistema de gerenciamento de produtos controlados da Anvisa mostrou que a compra de antidepressivos cresceu 23,4% durante a pandemia de covid-19. Já a compra de ansiolíticos teve um incremento de 7% desde o início da crise sanitária.

A análise considerou oito remédios psiquiátricos, ou seja, que precisam de receituário médico para serem comprados. Outro dado que chama a atenção é que os medicamentos antidepressivos são mais obtidos por pessoas com 34, 33 e 23 anos, nesta ordem. Por sua vez, os ansiolíticos foram adquiridos por indivíduos com 24, 36 e 31 anos. Além disso, o maior número de compras foi feito no Sudeste do País.

Neste ponto, o alerta vai para a automedicação, no caso de remédios sem necessidade de prescrição médica, e a medicalização, que pode ser entendida como o uso de remédios em situações que podem ser resolvidas com outras estratégias, como as não farmacológicos. Não se trata de minimizar a importância dos medicamentos, que em alguns casos são indispensáveis para o tratamento, mas cuidar para que eles sejam utilizados de forma consciente conforme indicação de um especialista.

Em entrevista anterior ao Estadão, o doutor em toxicologia Leonardo Régis apontou que, “pelo que se tem discutido na literatura, talvez a medicalização da sociedade esteja mais ligada aos tempos modernos, a uma pressão maior para cumprir metas, ao estresse”, o que é um movimento característico do ambiente de trabalho. “Há também outra variável: os especialistas da psiquiatria defendem que as pessoas hoje não conseguem conviver com a dor e acabam buscando refúgio – um deles é o medicamento”, completa. (Fonte: Estadão)