Desigualdade de gênero aumenta barreiras no mercado de trabalho

Estudo mostra a difícil realidade enfrentada pelas mulheres, como tripla jornada e diferenças salariais. Elas são maioria nas atividades informais e no empreendedorismo por necessidade


quinta-feira maio 26, 2022

Tripla jornada, diferenças salariais, assédios e informalidade são dificuldades que marcam a trajetória profissional das mulheres ao longo dos anos.
Segundo dados da organização não governamental Think Olga, os retrocessos enfrentados pela população feminina em termos de participação no mercado de trabalho equivalem a 30 anos.

As dificuldades se apresentam em todas as áreas, até mesmo naquelas que costumavam ser dominadas pelas trabalhadoras, como serviços domésticos, educação, saúde, serviços sociais e alimentação.

Essas nuances serão analisadas pelo Laboratório de Inovação Social Mulheres em Tempo de Pandemia da Think Olga. Até o final deste ano, a organização de inovação social irá reunir dados e conversar com especialistas para apontar possíveis caminhos, nas esferas individual, pública e privada, para reduzir problemas que levam à desigualdade de gênero.

A principal linha de estudo é sintetizada no mote “Autonomia das Mulheres: o futuro do trabalho”. O objetivo é analisar a fundo três autonomias: a financeira, a emocional (estar distante de situações abusivas e degradantes) e a de conhecimento (saber o seu lugar no mundo e acessar o que não se sabe).

As análise abrangem a chamada “economia do cuidado”, aquele trabalho que envolve atividades voltadas ao bem-estar ou sobrevivência de outras pessoas, seja ele remunerado ou não. Entre essas atividades estão os serviços que as mulheres realizam para cuidados dos filhos ou dos pais, muitas vezes idosos, ou em casos de emergências de saúde.

“As três esferas de autonomia formam interseções. Não adianta só a autonomia financeira se você está em um relacionamento abusivo. Mas, a condição financeira e a de conhecimento são importantes para sair de uma relação abusiva”, explica Nana Lima, cofundadora da Think Olga.

Empreendedorismo
O estudo avalia o contexto da empregabilidade das mulheres, e faz um paralelo entre a informalidade e o empreendedorismo. Em 2021, 230,2 mil vagas foram criadas e ocupadas por homens, enquanto houve perda de 87,3 mil postos de trabalhos de mulheres, segundo dados levantados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Além disso, entre 2020 e 2021, 70% das vagas criadas foram em regime informal.

Nesse contexto, uma das principais questões é a adesão das mulheres ao cadastro de Microempreendedores Individuais (MEIs). “Nunca tivemos tantos registros de novos MEIs, mas o que isso significa? Se estamos perdendo espaço nas vagas formais e os MEIs estão aumentando, provavelmente estamos tendo precarização. A gente olha para o MEI como empreendedorismo, mas, na verdade, é a sobrevivência, o empreendedorismo por necessidade”, explica Maíra Liguori, diretora de Impacto da Think Olga.

Outro dado que o estudo aponta é uma comparação entre a pré-pandemia e o pós. Em 2019, a taxa de mulheres que empreendiam era 1,39 vezes maior que a dos homens. As mulheres brancas empreendiam 48,4% e as negras, 50,3%.

No último trimestre de 2021, as mulheres estavam empreendendo muito mais. Elas saltaram para 1,54 vez mais que os homens. As mulheres brancas aumentaram para 49,9% e as mulheres negras sofreram uma redução para 48,5%.

“Dentro disso, temos a linha de raciocínio da precarização do trabalho, que atinge de formas diferentes as mulheres brancas e negras. As primeiras, provavelmente, perderam postos formais e foram empurradas para o empreendedorismo, enquanto as mulheres negras estão diminuindo sua participação nele”, segue Maíra.

Percalços
As desigualdades de condições salariais e o sexismo nas empresas são alguns dos principais problemas apontados por Gabriela Viana, co-CEO da Friday Pagamentos. A executiva, com mais de 19 anos de experiência em marketing digital, e-commerce e desenvolvimento de marcas, já ocupou cargos de liderança regional em empresas como Google, Xiaomi, Motorola e Adobe.

Foi a primeira mulher a ocupar o posto de co-CEO dentro da Friday, fintech de pagamentos on-line, e que atualmente busca alternativas para incluir cada vez mais figuras femininas em seu time.

“Seguimos com uma desigualdade gritante de oportunidades entre gêneros, além de sofrer os reflexos de uma cultura e de um mercado de trabalho sexista, claramente agravado pela pandemia”, ressalta a executiva. “Minha experiência é no mercado corporativo e acredito que é o que melhor conheço para que possa contribuir com minha visão. As mulheres historicamente ganham menos, e essa diferença se perpetua”, aponta.

Para Gabriela, as diferenças já começam no momento da entrevista de emprego. “Mulheres tendem a reportar quais são as habilidades daquele cargo nas quais elas não têm experiência, ou sobre as quais são inseguras — atitude diametralmente oposta à dos homens. As promoções também favorecem os homens, que culturalmente tendem a ser mais reconhecidos como líderes”, avalia.

No entanto, para um mercado de trabalho mais equilibrado e menos desigual, Gabriela defende que o acesso a oportunidades e a melhores remunerações são fundamentais. “Mulheres financeiramente estáveis demonstram maior probabilidade de investir no bem-estar familiar e a tomar decisões financeiras mais inteligentes, que repercutem na educação e na saúde de sua família. Isso se traduz em menos pobreza, mais crescimento econômico e redução contínua da desigualdade”, diz.

Liderança
Chegar aos cargos de chefia é desafiador para a maioria e, embora não exista uma cartilha, a executiva compartilha um pouco do que aprendeu com a própria trajetória. “Investir em profissões que exigem mais qualificação. Aprender a negociar e nunca diminuir seu próprio valor como profissional — em nenhuma instância. Negociar é uma habilidade. Precisa ser aprendida e desenvolvida”, pontua.

Gabriela conta, ainda, que não se pode diminuir a importância das relações construídas no ambiente de trabalho, inclusive com homens. “Busque mentores — entre os homens inclusive, que exatamente por estarem em posições de liderança têm uma visão privilegiada de como as organizações funcionam. É bom ter homens pró-mulheres, pró-causa, pois é em conjunto que poderemos fazer mudanças”, sugere. Mas, complementa: “Buscar o convívio e a visão de líderes mulheres pode encurtar o caminho de mulheres em carreira executiva”. (Fonte: Correio Braziliense)