A persistência do desemprego
segunda-feira julho 5, 2021
O flagelo do desemprego continua atacando o Brasil sem trégua, a julgar pelos dados divulgados pelo IBGE em 30 de junho: no trimestre encerrado em abril, o índice manteve os mesmos 14,7% do trimestre móvel anterior, encerrado em março, com 14,8 milhões de pessoas à procura de trabalho. A estabilidade na comparação com o período de janeiro a março de 2021 se manteve também em dados como a população ocupada (85,9 milhões de pessoas), nível de ocupação (48,5% dos brasileiros em condições de trabalhar) e desalentados (6 milhões de pessoas que nem mesmo chegaram a procurar um emprego recentemente).
No dia seguinte, o governo celebrou outro dado, o do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que analisa apenas o emprego formal, com carteira assinada, e que registrou abertura de 280 mil vagas em maio, superando a marca de 1 milhão de novos postos de trabalho formais no acumulado de 2021. Por referir-se a maio, o número ainda não está contemplado nos dados do IBGE, que cobrem um período encerrado em abril, mas a disparidade entre as duas estatísticas tem sido uma constante ao longo deste ano.
Há explicações mais evidentes para este descolamento, como a diferença conceitual: o Caged analisa apenas as vagas de carteira assinada e a Pnad Contínua, do IBGE, descreve todo o mercado de trabalho, incluindo informais e subempregados; além disso, a taxa de desemprego abrange as pessoas que buscam trabalho, e em um caso extremo ela poderia aumentar ou se manter estável mesmo em um cenário de abertura de postos de trabalho, caso pessoas antes em situação de desalento voltassem a buscar colocação. Economistas e pesquisadores ainda apontam limitações na apuração dos dados em ambas as pesquisas, e acreditam que a situação real deva estar em algum ponto intermediário entre o otimismo do Caged e a tragédia da Pnad Contínua.
Esta análise, infelizmente, não chega a ser muito animadora, até porque o próprio governo federal admite que o emprego ainda tem sido sustentado pelos programas emergenciais, como o BEm, que permite acordos de redução de jornada e salário, ou suspensão do contrato de trabalho, e que geram estabilidade pelo mesmo período da duração do acordo. Desde que o governo reabriu o BEm, em abril, 2,4 milhões de trabalhadores assinaram algum tipo de acordo.
Além disso, mesmo considerando que em cenários de recuperação econômica o emprego costuma ser a última variável a reagir, ainda é preciso destrinchar os dados por setores. O animador crescimento de 1,2% no PIB do primeiro trimestre de 2021, por exemplo, se deu de forma bastante desigual, puxado basicamente pelo agronegócio; o setor de serviços, o que mais emprega no país, cresceu apenas 0,4%; a indústria teve desempenho ligeiramente melhor, com 0,7%. Mesmo com os dados positivos do Caged de maio a respeito desses setores – das 280 mil novas vagas, 111 mil vieram do ramo de serviços; 60 mil, do comércio; e 44 mil, da indústria –, será preciso que eles demonstrem mais vitalidade ao longo do ano para que mais brasileiros deixem para trás o drama do desemprego.
O ministro Paulo Guedes tem repetido à exaustão que a vacinação contra a Covid-19 será a porta de saída da crise. No entanto, apenas ela não será suficiente: as restrições à atividade econômica finalmente terminarão, mas será preciso pensar em maneiras de estimular a criação de empregos, seja diretamente, atacando os entraves à formalização, seja indiretamente, criando um clima que atraia investimentos, por exemplo com demonstrações firmes de compromisso com o ajuste fiscal, o respeito às contas públicas e a otimização do Estado. No entanto, isso ainda não ocorreu: a reforma tributária fatiada ainda não apresentou sua proposta de desoneração da folha, e a reforma administrativa – que já não é tão incisiva quanto poderia ter sido – pode ser freada para não desagradar o funcionalismo em ano pré-eleitoral. Sem coragem de fazer o que precisa ser feito em Brasília, o emprego corre o risco de seguir patinando ainda por muito tempo. (Fonte: Gazeta do Povo)